Sobre a “lei da rolha”, alguns considerandos antes da questão de substância.
1. Este congresso é a imagem de Santana Lopes. Primeiro, com a tenacidade e perspicácia que se lhe reconhece, Santana forçou um congresso para aquilo que o partido mais precisa: discutir o próprio partido. Começou sozinho, contra o PSD, e acabou por conquistar primeiro a opinião pública e depois, atrás dela, a opinião partidária. Mas, no final, como faz habitualmente, Santana borrou uma excelente pintura com a óbvia confusão entre ressentimentos pessoais e política partidária. Santana é um daqueles personagens que vive a política tão intensamente que se chega a convencer que a política faz parte da sua vida. Alguém lhe devia explicar que são duas coisas diferentes.
2. É impressionante que agora toda a gente seja contra a “lei da rolha”, mas na altura ninguém tenha levantado a voz contra ela. O que se terá passado? Estavam todos a dormir? Já ouvi reclamar da constitucionalidade da coisa, já ouvi ameaças de recurso para o conselho jurisdicional, mas ainda não ouvi ninguém que se tenha pronunciado contra no próprio congresso. Ou que tenha abandonado a sala nesse momento. Ou que tenha ameaçado sair do partido por causa disso. Se há coisa que o PSD sempre foi, é um partido de Liberdade. Está no seu ADN. Por isso, como alguém disse (PML, creio), esta “lei da rolha” é uma vergonha para o partido. Por muito menos já se rasgaram cartões de partido.
3. Mas nada disso vai à questão de substância: afinal, porque é que a maioria dos congressistas aprovaram a “lei da rolha”? É óbvia a psicologia que levou Santana a propô-la; é também evidente que a maioria dos notáveis estava demasiado entretida nos jogos florais eleitorais para perceber o que estava a acontecer; mas o que não é tão claro é porque razão o colectivo social-democrata se permitiu tamanha burrice. A explicação, parece-me, prende-se com a percepção de uma diferença fundamental entre o PSD e o PS.
Perante a quantidade de ferimentos políticos de que Sócrates já foi alvo, o facto de ter o partido unido atrás de si é notável e estabelece um contraponto óbvio em relação ao PSD. Para o bem e para o mal, nunca por nunca, no PSD, um líder com as fraquezas de Sócrates poderia subsistir sem críticas internas. E isso não é bom; é mau.
Um partido político não é uma representação da sociedade. O parlamento é que é uma representação da sociedade. Um partido é um exército político. Deve marchar em sintonia para ser vitorioso. E alimenta essa unidade, primeiro que tudo, na mundivisão que resulta da sua ideologia de base, e, depois, na estratégia escolhida para a pôr em prática.
Ora, acontece que o PS é um partido mais sólido do ponto de vista ideológico do que o PSD. É mais fácil unificar as “tropas” no PS do que no PSD. Aliás, em condições normais (e em Portugal), é mais unificador um projecto de esquerda do que um projecto de direita. O PSD é um partido de interesses. E os interesses não federam interesses. O que federa os interesses é a ideologia.
Por isso é que os congressistas sociais-democratas aprovaram a “lei da rolha”. Porque quiseram criar por decreto o que lhes falta como substrato. O PSD está cansado de correr atrás do PS com armas diferentes. Sente como um lastro as divergências internas de que não se consegue livrar. E olha para o lado, admirado, para um PS que parece imune às divergências. É esse sentimento profundo dos sociais-democratas que dá origem à “lei da rolha”. Mas é obviamente uma tontaria que o partido vai pagar caro.