Paulo Portas e Pedro Passos Coelho: um instantâneo.
(via @poingg, em pic.twitter.com/qqdt0UZFd0)
Mais de duas semanas depois das eleições, acho que já tenho condições psicológicas para dizer duas ou três coisas sobre o assunto:
1. Afinal onde anda o povo de esquerda? Num quadro de condições económicas deterioradas e de imperialismo económico anunciado – a troika pode ser vista de muitas maneiras, mas também desta! – era de esperar que o país inclinasse para a esquerda. Como reacção ao que já conhece, mas também como acto de defesa em relação ao que se anuncia. Esse era aliás o pressuposto por causa do qual nunca acreditei numa maioria de direita. Mas a realidade desmentiu totalmente esse pressuposto. Se o resultado do PS foi aquele que se esperava, nem mais nem menos, o PSD (e mesmo o CDS) tiveram resultados inesperados, acredito, até para os próprios. O CDS está no patamar superior do seu eleitorado natural (entre 5 e 15%) e o PSD chegou a um bom resultado depois de uma primeira metade de campanha carregada de gaffes e indecisões (a este título, é curioso notar que a inversão se deu após o debate com Sócrates, o que – mais do que da importência dos debates – nos dá uma medida da importância da gestão das expectativas no combate político). O BE regrediu com estrondo, o PCP manteve-se estagnado e os pequenos partidos de esquerda não canalizaram o voto de protesto de uma maioria de desiludidos (em parte só o partido dos animais o conseguiu fazer). Ou seja, a esquerda, facto insólito e raro em Portugal, ficou em minoria.
2. O que aconteceu ao Bloco de Esquerda? É natural de esteja tudo ao soco dentro do BE. Afinal parece óbvio que o partido é responsável não só pelo seu súbito emagrecimento, como até pela subida ao poder de uma maioria de direita em Portugal. Dois grandes erros são apontados ao BE, um táctico e outro estratégico. O erro táctico foi a apresentação de uma moção de censura ao governo. Esse era um ónus que, na melhor das hipóteses, devia ter sido deixado ao PSD, e, na pior da hipóteses, devia ter sido activamente bloqueado pelo próprio BE caso percebesse – como parecia óbvio – que uma queda do governo, naquelas condições e com um presidente de direita, conduziria inevitavelmente a uma vitória do PSD em eleições. Ou seja: devia ter sido a direita e não a esquerda a despoletar a crise política. O erro estratégico do BE foi o de nunca ter assumido perfil de governo. Foi isto que verdadeiramente o povo português não lhe perdoou. O BE foi inconsequente e deixou que essa inconsequência lhe fosse apontada durante demasiado tempo. Uma coisa é ser inconsequente com 4 ou 5% dos votos. Outra coisa é sê-lo com 10%. Porque 10% já servem para fazer uma maioria. Mas, na verdade – e espero que isto contribua para arrefecer as pulsões fratricidas dentro do BE… – qual era a alternativa? Poderia o BE sequer ponderar viabilizar um governo de Sócrates (não por causa de Sócrates, mas por causa das políticas de Sócrates)? Claro que não podia! Às vezes esquecemos-nos que são precisos dois para dançar o tango (para usar uma expressão famosa…). E a deriva direitista de Sócrates foi, ao longo destes 6 anos, de tal ordem que na verdade não havia pontes possíveis entre a margem direita do bloco e a margem esquerda do PS. Tão simples como isso. Se isso vai mudar agora? Claro que vai. Talvez do lado do PS, talvez do lado do BE, ou, mais provavelmente, do lado de ambos.
3. Mas, afinal, porque é que Passos Coelho ganhou as eleições? Esta é a grande incógnita sobre a qual – acredito – até dentro da equipa de Passos Coelho alguém mais lúcido estará a meditar. Ao longo da nossa história recente temos tido muitos líderes cujo poder lhes caiu no colo e poucos que o tenham conquistado. Passos Coelho é apenas mais um. Mas há aqui algo de diferente, embora ainda não suficientemente definido: a viragem à direita. Há muito tempo que fazia falta, em Portugal, um grande partido liberal. Eu já escrevi aqui sobre isso por várias vezes, como aqui e aqui. Será o PSD de Passos Coelho esse grande partido liberal de direita? E terá sido por isso que ganhou as eleições com tamanha clareza? É mais fácil responder sim à primeira do que à segunda! Que existe o espaço ideológico para um grande partido liberal de direita, isso parece evidente. E isso, em si, já é uma novidade. Não podemos ter para sempre um país ideologicamente inclinado à esquerda e é salutar que do outro lado haja ideias política ideologicamente sustentadas. O PSD de Passos Coelho tem sido coerente e arrojado nas suas posições liberais. Resta saber se o velho PSD clientelar e apolítico está pelo ajustes, o que só poderemos confirmar quando acabar o estado de graça (porque em “casa onde há pão, todos estão contentes e têm razão”). Mas terá sido por isso que o PSD ganhou? Isto está definitivamente por confirmar. O que eu acho, sinceramente, é que, uma vez mais como tantas vezes ao longo da sua história, o povo português foi maricas e meteu o rabinho entre as pernas. Votou massivamente na troika e não no PSD. Votou com medo e por medo e pediu encarecidamente aos senhores estrangeiros para tratarem dele. Para o porem na ordem. O que o povo português disse em 5 de Junho foi que nós não sabemos tratar de nós e é preciso que venham uns tipos do estrangeiro tomar conta do pedaço. E para isso escolheram aqueles que lhes pareciam mais perfiláveis para capatazes: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Se sim ou não os portugueses quiseram experimentar uma ideologia liberal de direita e se sim ou não vão gostar do que ela vai trazer (se Passos Coelho a conseguir materializar em políticas…), isso é o que veremos nos próximos anos. Uma coisa é certa: parece quase paradoxal dizê-lo no quadro de dificuldades com que nos debatemos, mas esta pode ser a grande oportunidade liberal em Portugal!
Perguntas que Paulo Portas quer fazer aos Portugueses:
Se alguém me tivesse perguntado, depois das eleições, quem ia viabilizar uma solução governativa com o PS, eu teria dito que seria o PP. Por três razões:
1. O PP é um partido que precisa de estar no poder de tempos a tempos para distribuir cargos pelos seus militantes. O PP precisa de passar pelo poder tanto quanto os partidos simétricos da esquerda precisam de permanecer afastados dele. O cimento do PP é a distribuição de poder; o cimentos dos partidos de esquerda é a reivindicação face aos poderes instalados;
2. Um partido na posição que o PP ocupa no espectro partidário pode, em condições normais, valer entre 5 e 15 por cento dos votos. Com uma votação de mais de 10 por cento, o PP de Paulo Portas está mais perto do seu limite máximo do que do seu patamar inferior.
3. Por fim, o CDS teve uma das suas melhores votações de sempre no quadro de um enfraquecimento correspondente do PSD. O que quer dizer que , se o Governo PS porventura caísse nos meses mais próximos, seria muito difícil o PP repetir um resultado tão bom; em primeiro lugar porque este já está no patamar superior (independentemente de tudo o resto é mais provável que desça do que que suba); e em segundo lugar porque, previsivelmente, o PSD vai lamber as suas feridas, fazer as mudanças internas necessárias, e aparecer mais forte daqui a alguns meses.
Por todas estas razões, esperar-se-ia que Paulo Portas – que é suficientemente inteligente e frio para o perceber – fosse o primeiro a querer chegar-se ao poder, usando aliás como trunfo o facto de ser o único que está em condições para o fazer!
Mas não foi isso que Paulo Portas fez! O que O terá levado a agir assim. Será possível que Paulo Portas ache que pode tornar o CDS/PP maior que o PSD? Será que Paulo Portas quer transformar o PP no grande partido liberal de direita que o PSD nunca ousou ser?
Não devemos esquecer que Paulo Portas é um resistente. Já sofreu bastante à frente do CDS/PP e no seu íntimo, estava provavelmente convencido que o partido já não podia chegar ao patamar eleitoral que agora atingiu. Com mais de 10 por cento dos votos no seu regaço, Portas deve ter sentido que era a altura do “vai ou racha”. Olhou para o lado, viu um PSD em frangalhos e ter-se-á convencido que isso era mesmo possível.
E é… se o PSD deixar. Por isso é que esta reflexão é sobre o PSD.
O Partido Social Democrata esteve no poder dois anos nos últimos 20, “queima” dirigentes como os clubes de futebol “queimam” treinadores e está ameaçado de desagregação por múltiplas facções, entre as quais o PSD e o PPD são as únicas que fazem sentido. E, mesmo assim, não juntas.
O Partido Social Democrata está numa encruzilhada. Se passar a ser dirigido por Passos Coelho (e se este confirmar o sentido liberal de algumas das suas intervenções) podemos ter um “novo” PSD (talvez finalmente um PPD…) depois das directas. Provavelmente pode perder o centro (já o perdeu!), mas será uma ameaça ao PP. Se continuar a ser dirigido pelos “velhos” do costume ou por “novos velhos” com a mesma estratégia de sempre, a sua recuperação irá depender muito da capacidade e visão do líder que escolher. Como aconteceu com Manuela Ferreira Leite. O PSD não mudou com Manuela Ferreira Leite; o PSD foi aquilo que Manuela Ferreira Leite conseguiu fazer dele dentro do mesmo quadro estratégico. Ou seja, ignorando o choque essencial entre liberais e sociais-democratas dentro do PSD. O PSD não terá futuro – e provavelmente também não terá presente – enquanto não suplantar ou resolver esse conflito. Suplantar, “inventando” uma proposta política global que integre as duas pulsões, uma espécie de “terceira via” da direita; ou resolvendo, através de uma cisão ou da vitória definitiva do PPD sobre o PSD. O que não faz sentido é que não exista, em Portugal, um grande partido liberal. É óbvio que, olhando para os eleitores portugueses actualmente – ainda muito posicionados à esquerda – não parece que um partido liberal pudesse ganhar eleições. Mas criá-lo seria um daqueles actos políticos definidores, tanto para o líder que o fizesse como para o quadro político que desse acto emergeria.
A aposta de Paulo Portas é que o PSD continue no rame-rame do costume e que passe por aí o crescimento do CDS/PP. Eu não acredito que o PSD definhe ao ponto de deixar que o partido à sua direita o suplante na representação dessa mesma direita. Mas acredito que Paulo Portas acredite!