Apesar do antetítulo um pouco rídiculo – “Um dos 25 grandes pensadores do mundo inteiro (“25”??? “do mundo inteiro”???), este livro, uma recomendação do Carlos Magno do Contraditório,   foi para mim uma agradável surpresa: arrojado, holístico e arejado nas ideias. E utópico, obviamente (o que seria da vida sem utopias?).

Eis alguns sublinhados:

“Já não é permitido falar de classes, mas a referência pejorativa à classe política é um dos tópicos mais úteis quando alguém deseja poupar o esforço de reflectir sobre como funcionam as nossas democracias”.

“Os políticos fazem mal o que ninguém faz melhor que eles”.

“Se existe representação, é porque o povo é uma realidade suficientemente complexa  para que nenhuma das suas manifestações (…) o possa resumir de maneira satisfatória”.

“Do mesmo modo que as tradições constituem um fundo habitualmente não tematizado  de usos e costumes, os meios de comunicação fornecem um senso comum social cuja imposição é dificilmente perceptível.  A agenda dos meios de comunicação equivale, nas sociedades desenvolvidas, à nova tradição: temas, juízos e esquemas estabelecidos como tácitos e comuns”.

É interessante notar, como consequência desta ideia, que, nas nossas sociedades, muito mais facilmente identificamos  as diversidades do que as uniformidades, quando na realidade são estas e não aquelas que determinam o nosso discurso colectivos. A este título, o funcionamento dos media é exemplar.

“As cidades tornaram-se por isso centros de inovação e assumiram o protagonismo cultural e político nos processo de modernização. A cultura urbana que gradualmente se formou com o aparecimento das cidades é uma mistura específica de estruturas sociais, políticas e económicas”.

De certa forma, a civilização digital globalizada está para a cultura urbana como a civilização urbana está para a civilização rural. É impossível não suspeitar que estamos no limiar de uma viragem civilizacional da maior importância.

“(…) o próprio da grande cidade era a polaridade do público e do privado, em comparação com a indistinção desses dois espaços que caracteriza a vida rural. (…) Neste sentido, podemos afirmar que, por efeito da urbanização, dessa configuração de espaços públicos surge para os indivíduos uma verdadeira vida privada”.

“O espaço público desaparece sob o domínio privado, tanto no extremo mais exclusivo como no mais excluidor. Por um lado há os bairros de exclusão e sem lei; por outro, os espaços comerciais e recreativos de acesso restrito  e as «comunidades cercadas», com os seus sistemas de vigilância e segurança. Poderíamos concluir que o actual espaço público são as vias de trânsito: meros lugares de passagem, simples instrumentos de deslocação”.

“Quando se abandona o modelo centro/periferia, quando o centro está em toda a parte, a implantação local muda de estatuto; cada ponto é um centro nas múltiplas intersecções da rede. Cada ponto local implica a rede global; reciprocamente, esta não é nada sem a multiplicidade dos lugares singulares. As sociedades modernas não necessitam de centralidade espacial. É importante compreender isto para conceber o novo espaço público”.

“A nossa identidade é um assunto histórico e não um acto da vontade. O facto de a identidade ser o resultado de uma acção consciente, de um plano destinado a conseguir precisamente esse produto”.

“(…) boa parte das actuais reflexões acerca [do bem comum] surge precisamente da insatisfação perante um modelo de articulação dos interesses privados com os interesses públicos excessivamente elementar, pouco adequado às actuais transformações sociais”.

A propósito do queijo limiano:

“Só um conceito [como Bem Comum] pode justificar uma visão mais elaborada da política e evitar que os políticos se limitem a beneficiar as suas clientelas como se fossem simples mandatários do seu eleitorado imediato.”

“Vivemos numa época em que o poder político – os estados e os governos – se vêm em apuros perante dificuldades não menos graves que aquelas que, nas origens da era moderna, acompanharam os eu processo constitutivo. A política é fraca perante a poderosa competição dos fluxos financeiros e dos poderes da comunicação social; o seu espaço próprio perde-se nos formatos inéditos da globalização e perante as particulares exigências dos processos de individualização”.

“O estado terá de tornar-se mais cooperativo – o que não equivale a mínimo – se não quiser tornar-se irrelevante. À vista de tais dificuldades, o estado e a política têm de procurar formas alternativas de configurar o espaço social, novas formas de governo”.

“Contrabalançar a dinâmica centrífuga dos sistemas diferenciados constitui o verdadeiro problema de política numa sociedade complexa. A tarefa fundamental da política e do estado na sociedade do conhecimento é a coordenação e mediação dos sistemas sociais, tão complexos, experientes e dinâmicos que excluem o comando estatal autoritário”.

“O que se esgotou não foi a política, mas uma determinada forma da política: em concreto, aquela que corresponde à era da sociedade territorialmente delimitada e politicamente integrada.”

“Neste sentido, governar pode ser caracterizado como a combinação de menos estado e mais política. A novidade desta combinação consiste em ser uma verdadeira alternativa para as conhecidas concepções do estado mínimo (menos estado e mais política) e do estado social tecnocrático e autoritário (mais estado e menos política).”

“A globalização económica é repelida pela maioria dos seus críticos, ao passo que mais ou menos todos eles seriam a favor da mundialização da educação, da solidariedade ou da informação. Boa parte do desgoverno económico provém de o mundo não estar, por assim dizer, suficientemente globalizado e de aquilo que é vendido em zonas de grande consumo poder ser produzido em sítios onde não há direitos sindicais.”

“A verdadeira urgência do nosso tempo consiste em cosmopolitizar a globalização. Sempre assim aconteceu ao longo da história; um dos seus vectores de progresso tem sido precisamente o politizar, isto é, transformar âmbitos que estavam confinados à «naturalidade» (da tradição, da autoridade e da imposição) em questões sobre as quais se deve discutir e chegar a acordo: do trabalho doméstico à relações internacionais, passando pelos diversos códigos de comportamento ou pelas formas de organização social. Todos os impulsos democratizadores partiram do escândalo de haver decisões vinculativas que não tinham sido tomadas por todos. E assim acontece também no caso da mundialização.”

“O processo político de integração europeia é uma resposta inédita – e talvez um dia exemplar – às circunstâncias que hoje condicionam o exercício da soberania no mundo.”

” (…) uma Europa cosmopolita é hoje a última utopia política efectiva.”

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“Essa velocidade [de circulação da informação na internet] vai provocar a perda de memória. E isso já acontece com as gerações jovens, que já não recordam nem quem foram Franco ou Mussolini! A abundância de informações sobre o presente não lhe permite refletir sobre o passado. Quando eu era criança, chegavam à livraria talvez três livros novos por mês; hoje chegam mil. E você já não sabe que livro importante foi publicado há seis meses. Isso também é uma perda de memória. A abundância de informações sobre o presente é uma perda, e não um ganho.”

Umberto Eco, à Folha de S.Paulo, citado pelo A Informação 

 

Sobre a Feira do Livro

Sobre a polémica da Feira do Livro tenho apena duas dúvidas: um pequena e uma grande.

Uma pequena dúvida: Porque razão é que a CML se pôs do lado da Leya? Foi apenas por “respeito” por uma grande “empresa” ou foi por algo mais. Foi apenas porque não quis afrontar um major player económico, ou foi por alguma das outras razões que costumam ligar as empresas e a política.

Uma grande dúvida: Que raio leva um empresário como Pais do Amaral a decidir investir nos livros? Nos livros???  Por favor… Os negócios de Pais do Amaral antes eram na televisão!!! Fazia sentido que ele investisse no futebol, na medicina privada,  no turismo para a terceira idade, nos telemóveis, etc. Mas… nos livros? Não entendo. Percebo que tem havido alguma recomposição da paisagem da edição no nosso país (a “modernidade” chegou com os livros de Cristiano Ronaldo, Carolina, Bobona e afins) e não percebo porque razão é que os livros não hão-de ser um negócio como qualquer outro. Mas serão mesmo um negócio de futuro? Pelos vistos Pais do Amaral acha que sim e eu continuo  convencido que não.  Se calhar é por isso que ele é empresário e eu sou assalariado…

Sobre a Feira do Livro propriamente dita, se finalmente se realizar, claro que vou visitar,  como todos os anos. Mas vou fazer questão de não ir aos stands do grupo Leya. Por causa da prepotência!