Fico preocupado quando ouço uma jornalista da direcção de um jornal de referênca referir-se a alguém como “o Vara”.
Na forma de tratar os políticos, os jornais seguem o livro de estilo de cada um, mas obviamente nunca o fazem por “tu”. Não escrevem “o Armando Vara”, nem “o Sócrates” ou “a Manuela Ferreira Leite”. Escrevem – e bem – “Armando Vara”, “José Sócrates” ou “Manuela Ferreira Leite”.
Mas é quando estão fora do seu aquário – fora da redacção e dos seus constrangimentos estilísticos – que os jornalistas tendem a revelar o seu verdadeiro “self”. Nos debates, nos comentários na rádio ou na TV, nos blogues e no twitter. E, quanto à forma de tratar os políticos nestes fóruns, há pelo menos 3 comportamentos típicos da”espécie”:
1. Os institucionalistas. Tratam todos os políticos na terceira pessoa. Nunca dizem “o Sócrates” ou “o Cavaco”, mas sempre e só “Sócrates” ou “Cavaco”. Mesmo que estejam a falar de Mendes Bota! Ou seja, mantêm em relação aos objectos dos seus comentários, posts ou twits a distância institucional devida e que, afinal, é a mesma que se materializa no código estilístico do jornal.
2. Os populistas. Tratam todos os políticos por tu. Para estes jornalistas, não há grande distância entre a conversa de café e o debate político e portanto também não deve haver grande distância entre o café e o parlamento ou os gabinetes ministerias. Todos são “o” qualquer-coisa: “o Manel do talho” ou “o Cavaco e Silva”. Nas redacções aprenderam a seguir o livro de estilo, mas nas conversas mais informais, foge-lhes o discurso para o povo.
3. Os selectivos. São de longe os mais perigosos e tratam alguns políticos por “tu” e outros por “você”. São capazes de dizer “o Vara” como de dizer “Manuela Ferreira Leite” ou “António Vitorino”. Às vezes na mesma frase. E essa escolha é todo um tratado. Nalguns casos essa familiaridade é elogiosa (“o Soares)”, mas na maior parte dos casos é desdém (“o Vara”). E é por isso que este comportamento é perigoso: porque implica uma ideia pré-concebida sobre uma personagem de que parece que nem o próprio tem consciência. E é isso mesmo que é muito preocupante do ponto de vista da nossa “confiabilidade” nas notícias, opiniões e decisões editoriais dos jornalistas.