Talvez seja um pouco tarde para Durão Barroso propor uma federação de estados europeus. Essa ideia devia ter sido proposta há vários anos e devia ter sido sancionada pelos povos europeus, algo que eles nunca quiseram fazer.  Todos sem excepção. Com os resultados que agora se vêem.

Além disso, uma federação de estados europeus – com sede “real” em Berlim, naturalmente – não seria incompatível com o único propósito que se consegue perceber por detrás do projecto europeu da Alemanha. A Alemanha, como qualquer potência de média dimensão, está assustada com a emergência de novos pólos económicos no mundo e decidiu que vai recuperar a competitividade económica europeia baixando os salários das zonas pobres do sul da Europa. Uma espécie de “uma união, várias economias”.

Durante alguns anos, a inteligência económica colectiva alemã achou que podia gerir o “problema chinês” fornecendo tecnologia ao gigante adormecido para que ele continuasse a operar as suas fabricas de mão-de-obra barata. Mas os chineses não são parvos – nem têm vocação para capachos – e decidiram que eram eles que mandavam. Nesse momento, a Alemanha achou que a única alternativa era fazer dos gregos, portugueses, irlandeses, eventualmente espanhóis e italianos, juntamente com alguns povos de leste, uma espécie de “chineses da Europa”. Tanto quanto se consegue perceber, é esse o projecto europeu da Alemanha.

E é um projecto nobre! Preservar a Europa é um projecto nobre! E preservar a Europa é hoje – olhe-se como se olhe – preservar a sua competitividade na economia global de múltiplos pólos. É isso que Alemanha quer e isso é bom para a Europa. O problema é que a receita escolhida pode não resultar. A crise europeia pode ser mais profunda do que parece. Pode acontecer que não seja apenas uma crise financeira e se calhar também não é só económica. A crise europeia pode ser civilizacional e ter chegado com meio século de atraso.

Primeiro que tudo, na Europa – obviamente! –  não há uma crise grega, nem uma crise portuguesa, nem espanhola, irlandesa ou italiana. Por uma razão muito simples: é que na realidade, na Europa, não existe uma economia grega, portuguesa, espanhola ou italiana. Há apenas a economia europeia. Não há muitos espaços económicos no mundo mais integrados e unificados que o espaço europeu. Quanto mais não seja por causa desse detalhe fundamental que é a moeda única. A Europa está mais integrada, a muitos níveis, que a federação norte-americana, e nem sequer é uma federação! Portanto, paremos a conversa quando alguém falar da crise portuguesa ou da economia portuguesa. Hoje, em 2012, nenhuma dessas duas coisas existe.

A decadência europeia

A Europa dominou o mundo durante séculos. Desde a idade media, passando pelos descobrimentos e até às duas guerras mundiais. Que diabo!, a Europa até “se exportou” para outros continentes antes de se envolver em duas guerras civis europeias sucessivas. Na altura, a Europa era podre de rica – uso a palavra “podre” propositadamente – e muito mais “integrada” do que normalmente percebemos. Por isso é que se envolveu em tantas guerras fratricidas. As guerras são uma espécie de jogos florais das sociedades modernas. São tanto um luxo como os torneios medievais o eram para as sociedades de então. Enquanto império expansionista, a Europa acabou algures entre a primeira e a segunda guerras mundiais. As guerras em que se envolveu – e em que envolveu o mundo – foram o seu canto do cisne.

Depois da 2ª guerra mundial o mundo ficou dividido em dois blocos geopoliticos com capacidade de aniquilação mútua. E isso congelou a história durante 50 anos (aliás, houve quem confundisse o fim do congelamento da história com o fim da história). Nessa época nada floresceu porque nada podia florescer fora do controlo de Washington ou de Moscovo. Havia muito países no mundo com vontade de crescer e com a “energia vital” para o fazerem. Mas, obviamente, nenhum foi “autorizado”. Durante esses 50 anos foram os EUA que “seguraram” a Europa e os seus padrões de vida. Não porque gostassem dela, mas porque precisavam de a ter ali, naquele lugar, como tampão à ameaça russa.

Quando o muro de Berlim caiu e os EUA ganharam a guerra fria, o mundo descongelou e a globalização seguiu o seu curso natural. E, por “seu curso natural” entende-se isto: as nações com condições naturais (recursos) e energia colectiva (vontade) começaram a crescer – ou seja, a multiplicar a sua riqueza – mais do que qualquer velha potência do mundo anterior à bipolarização (Alemanha, França, Inglaterra, EUA, etc).

A energia colectiva necessária para um povo prosperar é certamente algo difícil de definir e delimitar do ponto de vista teórico. Mas há um elemento que de certeza faz parte do “pacote”: uma população jovem e ambiciosa. Isso é – entre outras coisas – aquilo que existe na China, no Brasil, na Índia, na África do Sul, até na Rússia. Mas não existe na Alemanha. E também não existe numa hipotética Europa federada com “trabalho barato” no sul da Europa. Dito de outro modo: podemos chamar a esta crise europeia muitas coisas – financeira, política, económica, etc – mas na verdade ela é civilizacional e não é uma crise; é a continuação de um processo de decadência que já se tinha iniciado muito antes da Guerra Fria. A Europa está a morrer. E está a morrer porque a sua população está velha e acomodada. Não são só os portugueses, por exemplo, que estão acomodados aos benefícios sociais – entre outros – que agora lhes querem retirar. Os alemães também lhes estão acomodados. E os franceses, e os italianos, etc, etc.

Globalizar o humanismo!

Precisamos perceber que o “problema europeu” não é uma crise financeira, económica ou política, para interiorizarmos que a solução tem que ser – se-lo-á inevitavelmente – historicamente muito relevante, vasta nas suas envolvências e consequências, e criativa, no sentido de ser algo que quase de certeza neste momento não estamos a ver. A mim parece-me que, por complexa que seja a dita “crise”, a solução para a decadência histórica da Europa passa provavelmente por esta medida muito simples: abrir incondicionalmente todas as suas fronteiras!

Há milhões de jovens por esse mundo fora ansiosos por construir uma vida nova e com a energia para enfrentarem os obstáculos que se levantem ao seu caminho. Que raio!, há pessoas que se metem em balsas que não sabem se alguma vez chegarão a algum destino para irem à procura de uma vida melhor. Isso – essa coragem, essa vontade de melhorar –  é exactamente o que a Europa não tem e precisa! Não será certamente a única, mas é decerto uma das condições para evitar a decadência europeia. Por inverosímil que possa parecer, isso é exactamente o que os europeus têm que perceber. E é inverosímil porque, para que tal coisa fosse possível, era necessário que os europeus – aqueles que cá estão – tivessem a coragem histórica de aceitar os imigrantes como seus iguais. O que significa partilhar com eles os seus recursos. E talvez hoje seja a época de testar uma solução historicamente original como esta. Num mundo globalizado talvez seja hora de suprimir as diferenças e aceitar o “outro” como parte de nós.  Depois da globalização dos fluxos financeiros, do comércio e da distribuição de matérias primas, talvez esteja na altura de globalizar o humanismo. E “globalizar o humanismo” significa não apenas exigir que os nossos congéneres que se manifestam Bagdade, Teerão ou Pequim tenham os mesmos direitos cívicos que nós, mas também aceitá-los como iguais ao nosso lado, sejam eles argelinos, sudaneses, brasileiros, turcos, romenos ou de qualquer outra proveniência.

Talvez esta seja a oportunidade histórica de a Europa voltar a ser vanguardista. Para isso, é preciso preencher muitas condições, mas a primeira delas é que os europeus consigam ser menos mesquinhos do que foram há uns anos quando outros políticos europeus antes de Barroso falavam de uma hipotética federação europeia…

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Fim de império

Ontem um amigo fez este post no Facebook:

Bailouts, Riots and poverty !!! Thank you Capitalism and Democracy! Thank You so much.

O post é interessante por muitas razões, mas sobretudo porque junta “no mesmo saco” os motins, a crise das dívidas e a degradação da situação económica das pessoas e atribui tudo – com lacinho – ao capitalismo e à democracia.

A primeira tentação seria dizer que este é um raciocínio muito perigoso. E é! Porque se, para o capitalismo, não se vislumbra na realidade alternativa, para a democracia ocorre-nos logo uma bem conhecida e que, aliás, não é incompatível com o próprio capitalismo.

Mas vamos por partes. Primeiro os motins. Há certamente razões bem diferentes para as cenas que vimos ontem em Totenham, há uns dias em Atenas e há alguns anos em Paris (e, já agora, em 1992 em Los Angeles). Mas também há algo em comum. Não sabemos muito bem o que é, ao certo, que os amotinados querem – provavelmente eles também não – mas quase de certeza que todos concordariam com a frase acima.  As pessoas, sobretudo os jovens, sentem-se traídos por uma sociedade que jurou protegê-los e falhou. Sentem-se sem futuro e voltam-se contra o sistema na primeira oportunidade que têm de lhe pegar fogo. Qualquer jovem africano tem menos condições que um jovem europeu; mas tem também como muito provável que – ao contrário do europeu – o seu futuro será melhor que o seu passado. Só há uma coisa pior que um jovem desocupado, revoltado e descrente; é muitos jovens desocupados, revoltados e descrentes! Percebemos agora, provavelmente, que as manifestações anti-globalização que tantos carros incendiaram nos últimos anos (e que agora, curiosamente, parecem ter desaparecido) só eram anti-globalização por conveniência. Ou seja, o seu revestimento político era muito menos importante do que os sentimentos profundos da geração que as levava a cabo.

Depois, a degradação da situação económica. Provavelmente o desemprego, a precariedade e os salários baixos durante anos a fio são 3 factores que, isolados ou combinados, levam muitos jovens para rua, primeiro apenas para “partir umas montras”, mas depois para pilhar, incendiar e roubar. E o que é irónico é que o Estado de Bem-Estar a que estes jovens aspiram é afinal a razão pela qual não o podem ter. Os empregos de que eles precisam são aqueles que estão ocupados pela geração anterior e os benefícios sociais a que aspiram são aqueles que já estão no limite do socialmente suportável. Percebo que os europeus – jovens ou velhos – gostariam muito de manter o estilo de vida afluente de que têm desfrutado ao longo de anos (séculos?). Mas pode acontecer que isso simplesmente não seja possível. Claro que todo o idoso devia ter direito a uma reforma digna. Mas, afinal, o que significa aqui o qualificativo “digna”? Esse qualificativo será um “direito adquirido”? A própria reforma – qualquer reforma – será um direito adquirido, quando sabemos que muitos seres humanos não têm qualquer reforma, muito menos “digna”? O nosso dia-a-dia adequa-se às nossas circunstâncias, mas muitas vezes fá-lo com tumultos e revoltas. E as circunstâncias dos europeus estão a mudar muito rapidamente. Porque – sejamos claros! – a economia europeia (e a norte-americana também) está estagnada há pelo menos uma década. Estagnada! Não cresce. Nada! Assim, será difícil evitar que a situação económica se degrade…

Por fim, a crise das dívidas. Mais uma vez, não podemos saber ao certo o que pensam os jovens amotinados sobre o assunto, mas parece seguro prever que sejam contra. A “crise do Euro” deu origem a motins na Grécia. E os motins em Londres? Foram provocados pelas medidas de austeridade para proteger a Libra? Em parte, sim. E se existisse um Marco? Estaria ele a salvo da desvalorização, da austeridade e dos motins? As agências de rating atacam a soberania da países fracos, como Portugal, Grécia e Irlanda. Mas também atacam países “fortes”, como os EUA, a Espanha ou a Itália. Mais uma vez a pergunta torna-se pertinente: estará a Alemanha a salvo do downgrade? Ou seja: temos que deixar de olhar para árvore para conseguirmos ver a floresta. Não é Portugal ou a Alemanha ou os EUA que estão em causa.  É o império europeu, de que o século americano não é mais do que um complemento histórico. Começou por volta de 1500, quando uns malucos se fizeram ao mar na ponta ocidental da Europa, e acabou – ou está a acabar – na segunda década do século XXI. Provavelmente com várias décadas de atraso devido ao “interlúdio histórico” que foi a Guerra Fria e a confrontação entre ideologias.  Findo esse “interlúdio histórico” (que Fukuyama obviamente confundiu com o “fim da história”), o mundo segue o seu caminho e velhos impérios se desmoronam para outros tomarem o seu lugar. O fim da Guerra Fria teve muitas consequências, mas uma das mais esquecidas é o exponencial desenvolvimento (aliás, permitido pela globalização…) de muitos países fora do “império euro-americano”: China, Índia, Brasil, Rússia, Coreia, etc.

Como já tinha escrito aqui, cheira a fim de império. E os motins em Inglaterra são apenas mais uma “acha” para essa “fogueira” (achei que a metáfora era adequada…). Ao ver imagens como as que nos chegam de Londres, pergunto-me como veriam os romanos o fim do seu próprio império? Um império que durou séculos e parecia – mesmo quando ruía – a materialização da excelência do género humano. Provavelmente vê-lo-iam  mais ou menos como nós vemos as sociedades em que hoje vivemos, quer habitemos em Lisboa, Atenas, Londres ou Nova Iorque. Como o vértice de uma evolução que parece não poder regredir e que, no entanto, todas as evidências demonstram estar em acelerada decadência. Precisamos de humildade para olharmos para nós próprios como apenas mais um punhado de seres humanos.

A Alemanha “comprou” Portugal

A Alemanha “comprou” Portugal! Ou achávamos, porventura, que os fundos europeus que nós desperdiçámos vinham a custo zero? A Troika não é mais do que o cobrador do fraque da Angela Merkl! A questão é o que é que o povo português vai fazer quanto a isso. E nem sequer são precisas revoluções ou manifestações de rua; por uma feliz coincidência vamos votar para decidir o que fazer e já sabemos com clareza tudo o que precisamos saber. Esta eleição é afinal um referendo à Troika e, implicitamente, à nossa vontade de independência. E temo o pior!