Mark Zuckerberg

Mark Zuckerberg

Em Setembro de 2017, na semana anterior às eleições gerais na Alemanha, Mark Zucjkerberg fez um “live” no Facebook para explicar em detalhe o que estava a ser feito internamente para combater as chamadas “fake news”. Um trecho que passou despercebido à maioria das pessoas no seu longo discurso, mas que tanto Helen Lewis como Julia Lefkowitz  prontamente apontaram foi esta frase ao mesmo tempo irónica e assustadora: “Temos estado a trabalhar para garantir a integridade das eleições alemãs do próximo fim de semana.” O que é irónico é o facto de estarmos perante um executivo de uma multinacional de Menlo Park, California, a dizer que pretende assegurar a integridade das eleições num país estrangeiro. O que é assustador é que ele está a falar a sério!

Esta frase ilustra na perfeição tudo o que está errado no estado atual da relação entre estas novas poderás plataformas de informação da era digital e os tradicionais poderes reguladores dos países e da sociedade. Sejamos claros: o Facebook PRECISA urgentemente de ser regulado; mas a verdade é que NÃO PODE ser regulado pelos métodos tradicionais. Claro que haverá sempre alguém que possa dizer que devíamos voltar à era analógica e abandonar de todo o digital ou que, como outros monopólios nos passado, o Facebook devia simplesmente ser decomposto em empresas mais pequenas para aumentar a competitividade. Mas isso, claro, não passa de fantasias! O problema é que, se olharmos para o conjunto de notícias e artigos de opinião que têm vindo a circular a propósito da regulação do Facebook, reparamos que a maior parte deles apontam precisamente nesse sentido. E isso denunciam uma incapacidade quase generalizada de perceber até que ponto o Facebook é algo diferente de tudo o que conhecemos no passado. Eu acredito que primeiro precisamos entender realmente aquilo em que o Facebook é diferente para podermos sequer começar a pensar em como o devemos regular. A seguir explico porquê.

Há pelo menos quatro coisas fundamentais que hoje em dia já são perfeitamente claras sobre o Facebook e que precisamos integrar no nosso debate sobre como ele pode e deve ser regulado (coisa que raramente acontece).

1. O Facebook é uma plataforma. Ele existe para que outros agentes possam usá-lo para fazer determinadas coisas, quer seja partilhar as fotos dos seus gatos, propagar o conhecimento ou espalhar “fake news” acerca de alguma coisa. Tal como acontece numa plataforma de caminhos de ferro ou numa praça pública, cada agente é responsável pelos seus atos, dentro das limitações e constrangimentos da plataforma. Claro que esses constrangimentos influenciam aquilo que cada agente pode ou não pode fazer na plataforma, mas não o determinam. Essa é uma prerrogativo dos próprios agentes. Se nós atribuirmos ao Facebook o direito – ou, pior ainda, a missão – de permitir ou proibir determinados tipos de conteúdo, na prática o que estamos a fazer é a transferir a nossa própria agência no processo para uma entidade externa que não controlamos. Uso a palavra “agente” propositadamente: o “agente” tanto pode ser um indivíduo como um grupo ou uma fação. Quando celebramos as tecnologias digitais porque elas tornam mais fácil aos indivíduos e aos grupos ter uma voz ativa, estamos a incluir tanto os seus usos positivos como os seus usos negativos. Eu, por exemplo, sempre tive um posicionamento político mais à esquerda e sigo várias páginas grupos de Facebook associados à esquerda política em Portugal. Algumas delas poderão até ser o equivalente nacional (e esquerdista) do site norte-americano Breibart, frequentemente associado às “fake news” pro-Trump. Mas eu sei disso e integro esse elemento valorativo nas minhas escolhas informativas. Eu sei aquilo em que posso ou não posso confiar e sei como verificar se uma informação ou uma perspetiva é verdadeira ou fundamentada quando tenho dúvidas. Se permitirmos que seja o Facebook a decidir se determinados agentes ou os seus conteúdos são permitidos na plataforma, temos que possa vir a perder essas visões de esquerda, alguma delas radicais. Tal qual como acontece com um norte-americano de direita a propósito do Breitbart, por exemplo.

 

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O Capital

– “Meus senhores o novo presidente do banco, Marc Tourneill!”
– “Estes são todos os principais accionistas. Eis os representantes do Eliseu. Eles esperam muito de si. Diga-lhes o que querem ouvir!”

– “Meus amigos, eu sou o vosso Robin dos Bosques moderno! Nós vamos continuar a tirar aos pobres para dar aos ricos!”

– “São crianças. Crianças grandes! Elas divertem-se. E vão continuar a divertir-se e divertir-se… até que a bolha rebente!”

Sempre me intrigou perceber o que leva alguém que tem muito, mas mesmo MUITO dinheiro a querer mais dinheiro. Afinal, o dinheiro, a partir de certo ponto, é apenas um número numa conta conta bancária.
Este filme (podem revê-lo nas gravações do AXN Black, passou ontem às 18h ou numa versão integral, mas dobrada em brasileiro aqui – para quem gosta do género) dá uma resposta possível: para estas pessoas o dinheiro não é dinheiro, é “currency”; é fichas e mais fichas para jogar num imenso casino. O gozo está no jogo, não naquilo que se ganha ou perde! Isto é o que fazem as crianças muito, muito ricas. Aprendem a jogar desde pequeninas. E nunca mais deixam de jogar.

 

O dinheiro, eis um tema interessante que ainda gostaria de estudar em profundidade um dia. O dinheiro é – como sempre foi – uma convenção. Um símbolo de algo, sem nenhum valor intrínseco. Já disse noutro ponto mas repito: o dinheiro é uma tecnologia de informação. O dinheiro comunica algo. Aquilo que importa no dinheiro não é o dinheiro em si, mas aquilo que ele comunica!

Talvez seja um pouco tarde para Durão Barroso propor uma federação de estados europeus. Essa ideia devia ter sido proposta há vários anos e devia ter sido sancionada pelos povos europeus, algo que eles nunca quiseram fazer.  Todos sem excepção. Com os resultados que agora se vêem.

Além disso, uma federação de estados europeus – com sede “real” em Berlim, naturalmente – não seria incompatível com o único propósito que se consegue perceber por detrás do projecto europeu da Alemanha. A Alemanha, como qualquer potência de média dimensão, está assustada com a emergência de novos pólos económicos no mundo e decidiu que vai recuperar a competitividade económica europeia baixando os salários das zonas pobres do sul da Europa. Uma espécie de “uma união, várias economias”.

Durante alguns anos, a inteligência económica colectiva alemã achou que podia gerir o “problema chinês” fornecendo tecnologia ao gigante adormecido para que ele continuasse a operar as suas fabricas de mão-de-obra barata. Mas os chineses não são parvos – nem têm vocação para capachos – e decidiram que eram eles que mandavam. Nesse momento, a Alemanha achou que a única alternativa era fazer dos gregos, portugueses, irlandeses, eventualmente espanhóis e italianos, juntamente com alguns povos de leste, uma espécie de “chineses da Europa”. Tanto quanto se consegue perceber, é esse o projecto europeu da Alemanha.

E é um projecto nobre! Preservar a Europa é um projecto nobre! E preservar a Europa é hoje – olhe-se como se olhe – preservar a sua competitividade na economia global de múltiplos pólos. É isso que Alemanha quer e isso é bom para a Europa. O problema é que a receita escolhida pode não resultar. A crise europeia pode ser mais profunda do que parece. Pode acontecer que não seja apenas uma crise financeira e se calhar também não é só económica. A crise europeia pode ser civilizacional e ter chegado com meio século de atraso.

Primeiro que tudo, na Europa – obviamente! –  não há uma crise grega, nem uma crise portuguesa, nem espanhola, irlandesa ou italiana. Por uma razão muito simples: é que na realidade, na Europa, não existe uma economia grega, portuguesa, espanhola ou italiana. Há apenas a economia europeia. Não há muitos espaços económicos no mundo mais integrados e unificados que o espaço europeu. Quanto mais não seja por causa desse detalhe fundamental que é a moeda única. A Europa está mais integrada, a muitos níveis, que a federação norte-americana, e nem sequer é uma federação! Portanto, paremos a conversa quando alguém falar da crise portuguesa ou da economia portuguesa. Hoje, em 2012, nenhuma dessas duas coisas existe.

A decadência europeia

A Europa dominou o mundo durante séculos. Desde a idade media, passando pelos descobrimentos e até às duas guerras mundiais. Que diabo!, a Europa até “se exportou” para outros continentes antes de se envolver em duas guerras civis europeias sucessivas. Na altura, a Europa era podre de rica – uso a palavra “podre” propositadamente – e muito mais “integrada” do que normalmente percebemos. Por isso é que se envolveu em tantas guerras fratricidas. As guerras são uma espécie de jogos florais das sociedades modernas. São tanto um luxo como os torneios medievais o eram para as sociedades de então. Enquanto império expansionista, a Europa acabou algures entre a primeira e a segunda guerras mundiais. As guerras em que se envolveu – e em que envolveu o mundo – foram o seu canto do cisne.

Depois da 2ª guerra mundial o mundo ficou dividido em dois blocos geopoliticos com capacidade de aniquilação mútua. E isso congelou a história durante 50 anos (aliás, houve quem confundisse o fim do congelamento da história com o fim da história). Nessa época nada floresceu porque nada podia florescer fora do controlo de Washington ou de Moscovo. Havia muito países no mundo com vontade de crescer e com a “energia vital” para o fazerem. Mas, obviamente, nenhum foi “autorizado”. Durante esses 50 anos foram os EUA que “seguraram” a Europa e os seus padrões de vida. Não porque gostassem dela, mas porque precisavam de a ter ali, naquele lugar, como tampão à ameaça russa.

Quando o muro de Berlim caiu e os EUA ganharam a guerra fria, o mundo descongelou e a globalização seguiu o seu curso natural. E, por “seu curso natural” entende-se isto: as nações com condições naturais (recursos) e energia colectiva (vontade) começaram a crescer – ou seja, a multiplicar a sua riqueza – mais do que qualquer velha potência do mundo anterior à bipolarização (Alemanha, França, Inglaterra, EUA, etc).

A energia colectiva necessária para um povo prosperar é certamente algo difícil de definir e delimitar do ponto de vista teórico. Mas há um elemento que de certeza faz parte do “pacote”: uma população jovem e ambiciosa. Isso é – entre outras coisas – aquilo que existe na China, no Brasil, na Índia, na África do Sul, até na Rússia. Mas não existe na Alemanha. E também não existe numa hipotética Europa federada com “trabalho barato” no sul da Europa. Dito de outro modo: podemos chamar a esta crise europeia muitas coisas – financeira, política, económica, etc – mas na verdade ela é civilizacional e não é uma crise; é a continuação de um processo de decadência que já se tinha iniciado muito antes da Guerra Fria. A Europa está a morrer. E está a morrer porque a sua população está velha e acomodada. Não são só os portugueses, por exemplo, que estão acomodados aos benefícios sociais – entre outros – que agora lhes querem retirar. Os alemães também lhes estão acomodados. E os franceses, e os italianos, etc, etc.

Globalizar o humanismo!

Precisamos perceber que o “problema europeu” não é uma crise financeira, económica ou política, para interiorizarmos que a solução tem que ser – se-lo-á inevitavelmente – historicamente muito relevante, vasta nas suas envolvências e consequências, e criativa, no sentido de ser algo que quase de certeza neste momento não estamos a ver. A mim parece-me que, por complexa que seja a dita “crise”, a solução para a decadência histórica da Europa passa provavelmente por esta medida muito simples: abrir incondicionalmente todas as suas fronteiras!

Há milhões de jovens por esse mundo fora ansiosos por construir uma vida nova e com a energia para enfrentarem os obstáculos que se levantem ao seu caminho. Que raio!, há pessoas que se metem em balsas que não sabem se alguma vez chegarão a algum destino para irem à procura de uma vida melhor. Isso – essa coragem, essa vontade de melhorar –  é exactamente o que a Europa não tem e precisa! Não será certamente a única, mas é decerto uma das condições para evitar a decadência europeia. Por inverosímil que possa parecer, isso é exactamente o que os europeus têm que perceber. E é inverosímil porque, para que tal coisa fosse possível, era necessário que os europeus – aqueles que cá estão – tivessem a coragem histórica de aceitar os imigrantes como seus iguais. O que significa partilhar com eles os seus recursos. E talvez hoje seja a época de testar uma solução historicamente original como esta. Num mundo globalizado talvez seja hora de suprimir as diferenças e aceitar o “outro” como parte de nós.  Depois da globalização dos fluxos financeiros, do comércio e da distribuição de matérias primas, talvez esteja na altura de globalizar o humanismo. E “globalizar o humanismo” significa não apenas exigir que os nossos congéneres que se manifestam Bagdade, Teerão ou Pequim tenham os mesmos direitos cívicos que nós, mas também aceitá-los como iguais ao nosso lado, sejam eles argelinos, sudaneses, brasileiros, turcos, romenos ou de qualquer outra proveniência.

Talvez esta seja a oportunidade histórica de a Europa voltar a ser vanguardista. Para isso, é preciso preencher muitas condições, mas a primeira delas é que os europeus consigam ser menos mesquinhos do que foram há uns anos quando outros políticos europeus antes de Barroso falavam de uma hipotética federação europeia…

Como medir audiências?

Recentemente, a CAEM “inventou” um sistema de medição de audiências de televisão para contornar o “zapping” e continuar a “contar” público mesmo quando as pessoas abandonam a sala.

E, de repente, ficou toda a gente escandalizada porque o sistema registava televisores ligados durante 24 horas (obviamente com “audiência” integral),  pessoal que via a SportTv sem ter cabo e uma percentagem não negligenciável de jogos, gravações e canais espanhóis. Enfim, uma série de coisas muito indesejáveis para o sector.

Como as hierarquias de audiências mudaram, obviamente também houve reacções dos que foram prejudicados e um monte de notícias e comentários sobre o assunto que cheiram mesmo a campanha de interesses. Afinal, este é um negócio que vale muito dinheiro. Ainda vale muito dinheiro.

Mas, seja com a GFK, seja com a Marktest, a CAEM em breve chegará a um equilíbrio técnico que permita satisfazer todos os “operadores”, provavelmente com algumas televisões ligadas “quase” 24 horas, sem canais espanhóis e com cabo só para quem o paga. E nessa altura estará tudo bem. Será uma solução de compromisso que permitirá a todos usar os argumentos de que precisam. Entretanto a realidade continuará a ter gente que tem a TV ligada 24 horas por dia, pessoal que vê o cabo sem pagar e canais espanhóis.

É assim sempre que sector de negócio se retrata a si próprio. Retrata-se não como é, mas como gostaria que fosse.

A polémica tomou de assalto a internet desde que a Google anunciou para Março a alteração das suas politicas da privacidade. De repente, não se fala de outra coisa nos podcasts que costumo seguir – as últimas edições do This Week in Google e do Gillmor Gang são disso exemplo – e nos blogues de referência.

Em geral, a discussão acaba sempre com a pergunta: será que a Google se tornou maléfica? O que não é uma maneira lá muito correcta de colocar a questão. Primeiro porque os conceitos de Bem e de Mal não se aplicam necessariamente (ou pelo menos não da mesma forma) aos negócios e às empresas. E depois porque – parece-me – por detrás deste movimento da Google, há uma reflexão mais profunda e importante que é preciso fazer.

Em primeiro lugar, convém perceber porque é que a Google decidiu unificar todas as políticas de privacidade dos seus variados produtos, permitindo assim gerar sinergias entre eles. Na minha opinião, a Google está assustada -muito assustada – com o sucesso do Facebook. Porque não o esperava. É óbvio que o modelo publicitário associado à pesquisa parecia à partida mais eficaz do que o mesmo modelo associado a uma rede social. Porque quem usa a pesquisa procura algo – e portanto a publicidade é altamente relevante – e quem se diverte numa rede social não procura senão estar com os amigos. São dois contextos muito diferentes e – parecia – com um potencial comercial muito díspar. Por isso é que a Google não se preocupou muito – de certa forma até desdenhou – os primeiros tempos de crescimento do Facebook. As primeiras redes sociais da Google (o Buzz, o Wave) pareciam mais instrumentos de trabalho do que de lazer.

Acontece que – com a chegada das marcas ao Facebook – Mark Zuckerberg criou um ecossistema comercial altamente atractivo quando combinado com os seus agora mais de 800 milhões de utilizadores (845 milhões, anunciado hoje). E de repente a Google percebeu que aquela conversa fiada do social pr’aqui e dos social pr’ali afinal… não era conversa fiada. E nesse momento o Google+ já estava demasiado atrasado em relação ao Facebook para poder ser “a” plataforma social tal como o You Tube é “a” plataforma de videos ou o Google Search é “o” motor de busca. Aliás, o atraso da Google no lançamento do Google+ é bem a imagem das suas hesitações nesta matéria.

Por isso, o que a Google pretende agora é utilizar o único trunfo que – olhando para a mão – lhe parece ainda ter: o potencial de integração do Google+ com os seus restantes serviços e sobretudo com a força do Google Search. Não é uma atitude de ataque; é uma atitude de defesa. A Google não quer conquistar algo; quer é não perder o que tem. E, por isso, vai favorecer os seus produtos na integração com o G+ e o Search. Tal como faria qualquer outra empresa na mesma situação.

Será que – tornando-se menos “neutra” – a pesquisa do Google se vai tornar menos “inteligente”? É uma boa questão. E suspeito que pensá-lo foi precisamente o erro da Google. De certa forma, todos os produtos da Google – dentro do espírito do motor de busca original – são manifestações de “inteligência”, ao contrário de uma rede social, que é (ou era vista), de certa maneira, como uma “coisa menor”. Se aplicarmos ao desenvolvimento das tecnologias de informação este quadro de análise – mais informação na rede e mais gestão dessa informação é mais inteligência colectiva – então podemos ter uma de duas opiniões: ou consideramos que o “social” fica fora desse quadro de análise (que foi o que pensaram os tipos da Google); ou achamos que a “inteligência social” de um programa como o Facebook é também uma forma de inteligência (que foi o que percebeu – se é que percebeu! – Mark Zuckerberg). O Facebook lembra-me quando é que os meus amigos fazem anos, diz-me que livros estão a ler, que filmes foram ver, como estão os filhos, etc. E isso é, provavelmente, muito mais importante do que saber que figuras históricas nasceram nesta data e quais os livros mais vendidos ou os filmes mais vistos. Porque nós somos sociais antes de sermos racionais. Na verdade – pensado no paradoxo da galinha e do ovo – de certa maneira já éramos sociais antes de sermos racionais.

Mas há outro aspecto – completamente separado deste – em que este alvoroço em torno da Google suscita reflexões interessantes. Que é este: para mim é sempre muito curioso ver a agressividade com que estas empresas – Google, Facebook, Twitter – procuram manter ou conquistar territórios negociais. Como se não soubessem muito bem o que é que na realidade fazem ou estarão a fazer daqui a 5 anos. E na verdade é isso mesmo que acontece. A Google é utilizada universalmente, o Facebook tem mais de 800 milhões de utilizadores e o Twitter está presente em todos os continentes e em todas as latitudes. No entanto, nenhuma as 3 empresas parece ter um modelo de negócio seguro (na verdade, o Twitter ainda está à procura dele). O Facebook, por exemplo, só hoje entrou em bolsa. E todas as valorizações incrementais que ao longo dos últimos anos lhe foram sendo atribuídas não eram mais afinal do que “expectativas de valor”, tal como, de certa forma, ainda são hoje, mesmo com a cotação em bolsa. Ou seja: percebe-se que qualquer destas empresas tem um potencial enorme, mas percebe-se pior qual é realmente o seu negócio do dia-a-dia, por comparação com essa expectativa. Mesmo no caso da Google. Claro que a Google faz milhões em publicidade, mas faz esses milhões com biliões de utilizadores e triliões de utilizações. Como sabe bem quem explora um media tradicional e o respectivo website, ganha-se mais dinheiro por cada “eyeball” no papel, por exemplo, do que com 100 na web. O que isso significa é que só a escala salva a Google (e o Facebook, que tem o mesmo modelo de negócio). Se não fosse a escala enorme em que estas empresas se movimentam – Google, Facebook, Twitter, etc – qualquer delas seria um insucesso económico. Porque é que não há concorrentes (reais) da Google ou do Facebook ou do Twitter? Já pensaram? É por isso mesmo: porque concorrentes mais pequenos não têm escala para serem rentáveis! Para termos uma noção da situação basta imaginarmos o que seria uma BP ou um Wal-Mart com mais de 800 milhões de clientes! É esta a escala a que operam estes gigantes com pés de barro!

Por isso é um erro dizer que estas empresas estão a mudar o modelo de negócio. Wrong! Elas estão a “pulverizar” o modelo de negócio! Isso sim! Como aliás os media tradicionais sabem muito bem.  É óbvio que elas estão a “desregular” algo, mas não é claro que estejam a “regular” o que quer que seja! Provavelmente ainda iremos descobrir que no futuro os negócios estarão organizados de uma maneira muito diferente. Ou até que não haverá negócios, apenas serviços sem fins lucrativos! Não sabemos como será o futuro. Mas sabemos que provavelmente não é isto que hoje temos: um gigante em cada sector, com uma escala enormíssima e uma rentabilidade minúscula.

O que parece – hoje – é que estes gigantes – Google, Facebook, Twitter — são mais plataformas do que empresas; são mais um serviço público do que um negócio. E é por isso – só por isso! – que esperamos que elas estejam do lado do Bem e não do lado do Mal! E é por isso que tantas vezes nos incomodamos e revoltamos com os seus “termos de serviço” e as suas “políticas de privacidade”. Alguém alguma vez procurou saber quais são os Termos de Serviço e a Política de Privacidade do Pingo Doce?

Isto está mesmo a mudar. Muito e depressa. Não sabemos é para onde!

Facebook is watching you! (II)

Além disso, em adição ao post anterior, há uma análise fundamental que é preciso fazer: é que tudo o que escrevemos, dizemos ou fazemos no Facebook é publico, não é privado! A empresa Facebook só permite o acesso e mesmo a destruição desses dados e informação para respeitar “the ways of the past”. Mas tenho a certeza que, para a maior parte dos autores do Facebook, isso não faz sentido porque é contrário à própria natureza da rede social. Aquilo que dizemos ou escrevemos no Facebook é tão privado e tão nosso como aquilo que dizemos e fazemos no espaço público, uma praça, um café ou outro lugar qualquer. A diferença é que este espaço publico tem potencialmente 800 milhões de pessoas.

Jeff Jarvis, jornalista da velha guarda e um dos analistas dos new media que sigo com mais atenção, partilhou informações muito privadas acerca do seu cancro do cólon à media que o ia tratando. E, depois, escreveu o livro “Public Parts” sobre as novas configurações da privacidade. Esta é a abordagem correcta. Algo está a mudar profundamente; temos que perceber o quê e como.

A este propósito talvez seja interessante também seguir esta entrevista recente de Eric Schmidt no LeWeb2011 (sobretudo a partir do min. 19). Ela retoma – está sempre em fundo em várias partes da entrevista – um tema recorrente entre os “geeks” e “não -geek” que é o da “digital divide“. E a “divide”, aqui, não é entre as populações pobres sem acesso às novas tecnologias e as populações ricas com acesso a ela; é entre as pessoas “antigas” que não as entendem e entre as pessoas “modernas” que as entendem. Vejam o video porque não é só por isso que ele é interessante.

Facebook is watching you!

Num artigo recente publicado no Expresso online e no Arrastão, com o título “Facebook is watching you“, Daniel Oliveira faz um paralelo entre as modernas redes sociais e o estado totalitário de George Orwell. O thread de comentários no Facebook também tem pontos de interesse.

Eu leio sempre com muita atenção o Daniel Oliveira, normalmente concordo com ele e muitas vezes fico surpreendido pelo perspicácia e criatividade das suas opiniões. É, provavelmente, no panorama comentarista nacional, a voz que acompanho com mais assiduidade e atenção. Mas este texto suscita-me alguma reflexões:

1. Em primeiro lugar é surpreendente que um analista e comentador normalmente tão arrojado do ponto de vista das ideias como o Daniel Oliveira seja neste aspecto tão conservador. Isso, de certa forma, não é atípico. A maior parte das pessoas olha para estes fenómenos novos com um olhar fixado nas categorias de análise habituais, que claramente são insuficientes para os explicar ou analisar. Por outro lado, é também interessante notar como, neste aspecto, a extrema-esquerda consegue ser tão conservadora como a extrema-direita. Isso dá bem uma imagem da magnitude das transformações que estão a ocorrer na paisagem mediática e social.

2. Descartemos primeiro a questão da legalidade face aos termos de uso do Facebook. Toda a gente tem direito a reaver os seus dados e apagar a sua conta do Facebook. Se no caso em concreto tal não aconteceu, isso é contrário às regras da própria rede social. Isso para mim é muito claro.

3. Depois descartemos a informação – recorrentemente repetida – de que o Facebook “vende” as informações aos estados ou às empresas sem autorização dos utilizadores. Há muitos rumores sobre essas acusações e “está na cara” que isso é uma tentação para qualquer rede social desta dimensão. Mas eu ainda não vi isso provado ou demonstrado com clareza. Suponho que isso está acautelado nos termos de uso e que estes são respeitados, mas nem disso tenho a certeza. Mudarei de opinião se me o demonstrarem. Outra coisa diferente é se isso se refere à publicidade que surge nas páginas do Facebook e que obviamente, é contextualizada em função dos dados pessoais de cada um. Esses dados foram de facto usados no “targeting” dessa publicidade, mas foram-no nos mesmos termos (mais ou menos…) em que a publicidade da Google é contextualizada. Ou seja, isso é algo bastante diferente e muito, muito mais complexo. Mas inevitável como manifestação de inteligência artificial. Resistir a essa contextualização da informação seria mais uma forma de conservadorismo.

4. Passemos então à “matéria de facto”. Na minha opinião, as redes sociais, tal como hoje existem são incompatíveis com as nossas leis em termos de bases de dados e protecção da privacidade. Podemos mudar as leis ou mudar as redes sociais, mas suspeito bem que vamos ter que mudar as leis. Não é possível, em termos práticos, usar uma rede como o Facebook e ao mesmo tempo cumprir todos os formalismos da lei portuguesa em termos de protecção de dados e autorização de divulgação dos mesmos. Pensem só neste acto tão simples que é eu partilhar com todos os meus amigos o post em que alguém diz que foi ao cinema e gostou do filme. Ou seja, precisamos de olhar para as redes sociais à luz de um novo conceito de privacidade.

5. Por outro lado, há a questão do copyright em sentido lato. Os dados, informações e opiniões que nós veiculamos no Facebook são nossos, não são do Facebook. Se quisermos podemos retirar toda a nossa informação. Mas que sentido faz isso numa rede que vive da partilha dessa informação? Como eu comentei no post do Daniel Oliveira , os meus comentários a um post, por exemplo, são meus. Coloco-os de livre vontade e de certa forma dizem algo sobre mim a qualquer pessoa que os leia. Se eu amanhã decidir deixar o Facebook, devo levá-los comigo? Se sim, isso torna o post onde eles surgiram mais pobre porque torna o  diálogo irracional. Se não, é uma violação óbvia do meu direito a dispor dos meus dados. Ou seja, precisamos de olhar para as redes sociais com um conceito diferente de copyright.

6. Como todos os paradoxos acima demonstram, o problema é bastante mais vasto e mais profundo do que o mero cumprimento da lei nacional (já para não falar do facto de o Facebook, o mesmo Facebook, operar em praticamente todos os países do mundo). A abundância e instantaneidade de informação nos dias que correm não pode senão deixar de ter consequências, tanto a nível do nosso entendimento da privacidade e do copyright como da forma como os enquadramos politicamente (as leis que protegem ambas as coisas). Para a maior parte dos jovens dos nossos dias o conceito de privacidade e de propriedade já é profundamente diferente do nosso. E sê-lo-á ainda mais no futuro. Aliás, nenhum dos conceitos foi alguma vez fixo no tempo, mesmo quando plasmado em lei. Basta pensar que há 50 anos seria considerado inadequado – do ponto de vista da sua privacidade – que um casal de namorados se beijasse  em público e hoje estamos no ponto de aceitar que duas pessoas do mesmo sexo o façam! Aliás, há 50 anos o casal de namorados seria provavelmente sancionado por conduta imprópria e hoje nem isso se pode apontar a um casal do mesmo sexo, mesmo que a muitos apetecesse fazê-lo.

7. O que isto quer dizer é que os nossos conceitos de privacidade e copyright (em sentido lato, mas também em sentido estrito) estão a transformar-se rapidamente e as nossas leis não os estão a acompanhar. Para mim, pessoalmente, do ponto de vista prático, o Facebook não é uma empresa. Não é sequer um serviço. É uma espécie de praça ou café onde encontro gente conhecida e gente conhecida de quem eu conheço. O que digo ou escrevo no Facebook esgota-se no momento. E não tenho qualquer interesse – a não ser por curiosidade – em saber o que pensei ou afirmei há 6 meses atrás. Claro que, se eu escrever que odeio o José Sócrates e depois o José Sócrates aparecer morto, isso provavelmente vai-se voltar contra mim (bem, talvez não porque nesse caso haveria muitos suspeitos…). Mas isso não é muito diferente de eu dizer no café da  vila que odeio o Zé Barnabé e depois ele aparecer morto. A diferença – significativa! – é que as apalavras leva-as o vento ou morrem com as testemunhas e aquilo que escrevo numa rede social é perene e dura para sempre.

8. Por isso é que eu acho fundamentalmente conservadoras as posições como aquela que foi acima expressa pelo “revolucionário” Daniel Oliveira. Nós não sabemos de que forma a transformação que está a ocorrer nas tecnologias de transmissão e acumulação de informação vai modificar a sociedade, as leis, a política ou até a psique do ser humano. Mas podemos ter a certeza que vai impactar todos esses aspectos. A nossa responsabilidade intelectual é – penso eu – sermos capazes de olhar para estes fenómenos com uma mente aberta e tentarmos perceber para onde eles nos levam e não de onde eles nos trazem!

Manuel Falcão, através do twitter, alertou-me para esta frase de Adriano Moreira:

“Parece ter-se trocado o valor das coisas pelo preço das coisas”

A frase está aqui, mas a tese que a sustenta está, entre outros sítios, neste artigo de opinião publicado no DN com o tí­tulo “O relativismo e a decadência”.

Duas observações acessórias antes de chegar ao essencial: 1) A lucidez do professor Adriano Moreira (posso – e devo! – tratá-lo assim porque foi meu professor) é espantosa e põe-me sempre a pensar que, ao contrário do que acontecia nas sociedades tradicionais, damos aos nossos anciãos menos atenção do que deví­amos; 2) Adriano Moreira é um conservador de direita de corpo inteiro. Não existem muitos conservadores de direita em Portugal (provavelmente menos que liberais de direita), mas Adriano Moreira é-o com uma verticalidade e uma coerência de princí­pios e valores que muitas vezes me recorda – imagine-se! – Álvaro Cunhal. Estão (estavam) nos antí­podas em termos das ideias que defendem, mas são (eram) parecidos na coerência, verticalidade e atá generosidade com que o fazem. Até fisicamente são parecidos!

Mas o essencial é esta ideia de que, nas nossas sociedades, o preço das coisas está a tomar o lugar do valor das coisas. E que muitas das nossas perplexidades resultam desse facto. É uma ideia brilhante porque, se pensarmos bem, vale para muitos dos fenómenos que aparentemente não conseguimos explicar: desde a compra e venda da dignidade individual nos reality shows televisivos até à cedência de soberania nacional em troco de “tranches” de crédito, passando pela ocupação do espaço público por interessas privados, entre muitas outras coisas. O último destes fenómenos é provavelmente criticado pela esquerda, o segundo obviamente pela direita conservadora e o primeiro por ambas, por razões diferentes. E, no entanto, estamos provavelmente perante causas comuns. Os jovens que expõem a sua intimidade e vendem a sua dignidade a troco de dinheiro (ou de fama seguida de dinheiro, o que vai dar ao mesmo) nos reality shows televisivos, acabaram de dar um preço a uma coisa que dantes tinha valor e não tinha preço. A maneira como aceitamos que nos dêem crédito a troco de mandarem nas nossas decisões políticas não é mais do que uma forma de atribuir um preço a algo que nunca antes tínhamos ousado sequer quantificar: a soberania nacional. Dantes tinha um valor, agora tem um preço. Por fim, quando vemos uma praça, um jardim ou um equipamento social comum – um parque de diversões, por exemplo (sim, estou a pensar na Feira Popular)  - definitiva ou temporariamente ocupado por um produto ou empresa privada, isso significa que uma parte do nosso espaço comum de convivência social foi “vendido”. Ou seja, tinha um valor para todos, mas passou a ter um preço para as entidades envolvidas na transacção. Basta olharmos para as cidades com esta perspectiva nos olhos para percebermos o quanto temos transferido espaço público para o domínio privado. Todo o espaço público que tem valor acaba mais cedo ou mais tarde por ter um preço. Exemplo, que – repito – ilustra apenas uma tendência que poderia ser ilustrada por muitos outros.

Esta é a visão conservadora do problema. Conservadora de direita, de esquerda, ou de direita e de esquerda, consoante cada uma dos exemplos. Mas há outra visão possível, menos “política”, menos próxima da realidade, mas mais capaz – parece-me – de a explicar integralmente.

Essa tese sobre “o valor das coisas” versus “o preço das coisas” parte de uma distinção básica entre “valor” e “preço”: tem valor aquilo que não é mensurável e tem um preço aquilo que é mensurável. Como se mede o preço de um bem comum primário, como um quilo de batatas, por exemplo? Mede-se, obviamente, com uma balança, carregando batatas até chegar ao quilo,  e cobrando pouco mais de um euro, o “preço” de um quilo de batatas. Um preço de um bem secundário- um televisor por exemplo – é obtido somando as matérias-primas empregues, a depreciação das máquinas que o produzem e o tempo gasto pelos operários. Um serviço, por fim, tem um preço calculado em função de pouco mais do que o tempo empregue pelo “servidor” para prestar o serviço.

Nos exemplos anteriores, é muito provável que haja muitos jovens na casa dos 20 anos que acham intolerável a exposição e mercantilização da dignidade nos reality shows televisivos. Para eles a dignidade tem valor, mas não tem preço. No entanto, já existe um preço de referência para dignidade. Se os produtores desse tipo de programas tivessem a coragem de falar abertamente sobre eles saberíamos que resulta – provavelmente – do cruzamento entre o mais recente preço praticado para a mesma transacção (o mais recente reality show) e as audiências, medidas em share, previsivelmente conseguidas com esse “produto”. Os jovens aludidos no início do parágrafo podem continuar a recusar vender a sua dignidade, seja qual for o preço. Mas sabem – não poderão não saber – que no dia em que decidirem vender haverá um preço para isso. Aliás, há uma nota curiosa a destacar sobre este assunto em particular: quanto mais gente estiver disposta a vender a sua dignidade, menor é o preço unitário de cada uma. Curioso, não é?

Também há muitas pessoas – o professor Adriano Moreira, por exemplo- que acham intolerável que se venda a Pátria por 70 mil milhões de euros. Para elas, a independência e soberania nacional não têm preço. Mas têm! E esse preço expressa-se num conjunto complexo de indicadores financeiros e económicos (PIB, dívida externa, dívida pública, etc), mediados pelos chamados “mercados” (especialistas na “mensurabilidade” dos indicadores economico-financeiros) dando origem a conceitos estranhos como “dívida soberana” ou “default”. É estranho ouvir dizer que a China comprou X% da nossa dívida soberana porque nos parece que isso significa que comprou X% de Portugal. E o facto é que comprou mesmo! Por isso é que nos parece estranho!

A Feira Popular, por exemplo, era um conjunto de equipamentos de lazer disponíveis ao público localizados numa zona geográfica da cidade onde o metro quadrado de edificação comercial tem um alto preço médio. Para os habitantes da cidade, a existência daquele parque tinha certamente algum “valor” (nota: não estou a falar da relação individual de cada utilizador com cada divertimento do parque; essa é uma relação comercial individual que tinha um preço. Estou falar do espaço em si). Mas esse valor não era facilmente mensurável. Era tão mensurável como o valor atribuído à existência da um jardim. É coisa que tem valor, mas não é coisa que tenha preço. É priceless! Mas, para os edificadores imobiliários privados, tem certamente um preço muito mensurável. E por isso é que, como em tantos outros lugares da cidade, o espaço público com valor acabou por dar lugar a empreendimentos privados com preço.

Ou seja: de um lado temos sempre um valor não mensurável e do outro um preço bem mensurável. Talvez a correspondência não seja totalmente exacta, mas, à primeira vista, até se pode dizer que todo o valor que puder ser medido se transforma num preço.

O que nos traz – finalmente! – ao ponto essencial da minha tese: a quantificação do valor das coisas é uma consequência fatal do manto de inteligência com que o ser humano cobre toda a realidade que o circunda. Ou seja, não é uma escolha; é uma fatalidade determinística. O ser humano usa a sua inteligência sempre e a todo o tempo. E ao fazê-lo torna a realidade que o rodeia coerente com a sua inteligência. O que significa quantificar tudo o que puder e quiser quantificar. Incluindo coisas – “valores”, por exemplo – que dantes não eram quantificadas. A diferença entre o passado e o presente, portanto, não é que dantes era tudo bom e agora é tudo mau. A diferença é que há coisas que dantes não conseguíamos medir e agora – devido ao avanço do conhecimento acumulado, da ciência e das tecnologias – já conseguimos. Aparentemente, a dignidade, a soberania e o espaço público (e repito que os exemplos poderiam ser muitos outros…)  são três dessas coisas.

Seria concebível um programa como a “Casa dos Segredos” se não houvesse aparelhos para medir as audiências? Ser-nos-ia possível aceitar que um qualquer grupo de funcionários estrangeiros nos impusesse um programa de austeridade se não houvesse o complexo sistema de contabilidade pública que hoje existe? Seria possível tornar o espaço público em espaço privado se não houvesse um mercado imobiliário a funcionar? Quantificação é matemática. A quantificação faz parte da inteligência e hoje quantificamos – cobrimos de inteligência – muitas coisas que antes não quantificávamos. Isso muitas vezes parece-nos um problema e torna-nos a todos conservadores, sejamos de direita ou de esquerda. É aliás muito significativo que o fenómeno afecte igualmente a esquerda e a direita. Isso só prova que ele é verdadeiro.

Temos tendência a resistir ao futuro. Mas, quando olhamos para o passado, vemos que o futuro nunca nos foi prejudicial. A crescente interdependência económica e financeira entre muitos países diferentes – que tem tudo a ver com a chamada “crise das dívidas soberanas” por exemplo – é apenas mais uma manifestação da globalização, ou seja, o movimento de integração dos fluxos de mercadorias, de trabalho, de informação e de dinheiro a nível mundial, um movimento que – naturalmente – é todo ele alimentado pela ciência, a acumulação de conhecimentos e a tecnologia. A resposta não é – não pode ser! – resistir. A resposta só pode ser encontrar mecanismos de organização social e colectiva que sejam transnacionais ou internacionais. A União Europeia é isso.

Jeff Jarvis, um dos melhores jornalistas que eu conheço a acompanhar a questão dos novos media, publicou recentemente um livro chamado “Public Parts” no qual analisa os problemas da privacidade no mundo moderno e que surge na sequência da extensa descrição que Jarvis  foi fazendo – por vezes com detalhes mesmo muito “privados” – da sua própria experiência de um cancro do cólon. Uma das teses do livro é que precisamos de novos conceitos de privacidade. E – digo eu – precisamos de olhar também para outros conceitos que – presunçosos – achávamos que eram imutáveis, como o de “dignidade”. Nenhum conceito é imutável e portanto, por definição, nenhum valor o é também. Aliás, basta olharmos à nossa volta para o percebermos. Há 100 anos seria impensável – para os próprios! – que um casal de namorados se beijasse em público. Hoje estamos no ponto de aceitar que sejam do mesmo sexo!

Por fim, o problema do espaço público face ao espaço privado. Basta olhar para trás para perceber que desde as primeiras terras atribuídas pelos reis aos senhores feudais vimos percorrendo um caminho sempre no mesmo sentido. O espaço público vai ganhando preço e tornando-se privado. Há duas visões possíveis para conjugar esse movimento com o interesse público: salvaguardar mecanismos de utilização pública de bens privados; ou – que me parece mais promissor – encontrar outras formas mais evoluídas de medir o valor das coisas, que venham a respeitar a ideia – que nos parece tão clara – de que o interesse público tem tanto ou mais “valor” que o interesse privado. O mundo dá muitas voltas…

Ou seja, a primeira tentação que temos é sempre a de reagirmos de forma conservadora a esta oposição dinâmica entre o preço das coisas e o valor das coisas. Mas essa pode não ser a reacção mais correcta. Temos que nos pôr no ponto correcto da escala do tempo – o nosso minúsculo pontinho – e percebermos que se há muito tempo para trás, há ainda mais para frente. E que se muita coisa mudou – e sempre para melhor – atrás de nós, ainda mais coisas haverão de mudar para a frente de nós. E tudo leva a crer que para melhor!

Fim de império

Ontem um amigo fez este post no Facebook:

Bailouts, Riots and poverty !!! Thank you Capitalism and Democracy! Thank You so much.

O post é interessante por muitas razões, mas sobretudo porque junta “no mesmo saco” os motins, a crise das dívidas e a degradação da situação económica das pessoas e atribui tudo – com lacinho – ao capitalismo e à democracia.

A primeira tentação seria dizer que este é um raciocínio muito perigoso. E é! Porque se, para o capitalismo, não se vislumbra na realidade alternativa, para a democracia ocorre-nos logo uma bem conhecida e que, aliás, não é incompatível com o próprio capitalismo.

Mas vamos por partes. Primeiro os motins. Há certamente razões bem diferentes para as cenas que vimos ontem em Totenham, há uns dias em Atenas e há alguns anos em Paris (e, já agora, em 1992 em Los Angeles). Mas também há algo em comum. Não sabemos muito bem o que é, ao certo, que os amotinados querem – provavelmente eles também não – mas quase de certeza que todos concordariam com a frase acima.  As pessoas, sobretudo os jovens, sentem-se traídos por uma sociedade que jurou protegê-los e falhou. Sentem-se sem futuro e voltam-se contra o sistema na primeira oportunidade que têm de lhe pegar fogo. Qualquer jovem africano tem menos condições que um jovem europeu; mas tem também como muito provável que – ao contrário do europeu – o seu futuro será melhor que o seu passado. Só há uma coisa pior que um jovem desocupado, revoltado e descrente; é muitos jovens desocupados, revoltados e descrentes! Percebemos agora, provavelmente, que as manifestações anti-globalização que tantos carros incendiaram nos últimos anos (e que agora, curiosamente, parecem ter desaparecido) só eram anti-globalização por conveniência. Ou seja, o seu revestimento político era muito menos importante do que os sentimentos profundos da geração que as levava a cabo.

Depois, a degradação da situação económica. Provavelmente o desemprego, a precariedade e os salários baixos durante anos a fio são 3 factores que, isolados ou combinados, levam muitos jovens para rua, primeiro apenas para “partir umas montras”, mas depois para pilhar, incendiar e roubar. E o que é irónico é que o Estado de Bem-Estar a que estes jovens aspiram é afinal a razão pela qual não o podem ter. Os empregos de que eles precisam são aqueles que estão ocupados pela geração anterior e os benefícios sociais a que aspiram são aqueles que já estão no limite do socialmente suportável. Percebo que os europeus – jovens ou velhos – gostariam muito de manter o estilo de vida afluente de que têm desfrutado ao longo de anos (séculos?). Mas pode acontecer que isso simplesmente não seja possível. Claro que todo o idoso devia ter direito a uma reforma digna. Mas, afinal, o que significa aqui o qualificativo “digna”? Esse qualificativo será um “direito adquirido”? A própria reforma – qualquer reforma – será um direito adquirido, quando sabemos que muitos seres humanos não têm qualquer reforma, muito menos “digna”? O nosso dia-a-dia adequa-se às nossas circunstâncias, mas muitas vezes fá-lo com tumultos e revoltas. E as circunstâncias dos europeus estão a mudar muito rapidamente. Porque – sejamos claros! – a economia europeia (e a norte-americana também) está estagnada há pelo menos uma década. Estagnada! Não cresce. Nada! Assim, será difícil evitar que a situação económica se degrade…

Por fim, a crise das dívidas. Mais uma vez, não podemos saber ao certo o que pensam os jovens amotinados sobre o assunto, mas parece seguro prever que sejam contra. A “crise do Euro” deu origem a motins na Grécia. E os motins em Londres? Foram provocados pelas medidas de austeridade para proteger a Libra? Em parte, sim. E se existisse um Marco? Estaria ele a salvo da desvalorização, da austeridade e dos motins? As agências de rating atacam a soberania da países fracos, como Portugal, Grécia e Irlanda. Mas também atacam países “fortes”, como os EUA, a Espanha ou a Itália. Mais uma vez a pergunta torna-se pertinente: estará a Alemanha a salvo do downgrade? Ou seja: temos que deixar de olhar para árvore para conseguirmos ver a floresta. Não é Portugal ou a Alemanha ou os EUA que estão em causa.  É o império europeu, de que o século americano não é mais do que um complemento histórico. Começou por volta de 1500, quando uns malucos se fizeram ao mar na ponta ocidental da Europa, e acabou – ou está a acabar – na segunda década do século XXI. Provavelmente com várias décadas de atraso devido ao “interlúdio histórico” que foi a Guerra Fria e a confrontação entre ideologias.  Findo esse “interlúdio histórico” (que Fukuyama obviamente confundiu com o “fim da história”), o mundo segue o seu caminho e velhos impérios se desmoronam para outros tomarem o seu lugar. O fim da Guerra Fria teve muitas consequências, mas uma das mais esquecidas é o exponencial desenvolvimento (aliás, permitido pela globalização…) de muitos países fora do “império euro-americano”: China, Índia, Brasil, Rússia, Coreia, etc.

Como já tinha escrito aqui, cheira a fim de império. E os motins em Inglaterra são apenas mais uma “acha” para essa “fogueira” (achei que a metáfora era adequada…). Ao ver imagens como as que nos chegam de Londres, pergunto-me como veriam os romanos o fim do seu próprio império? Um império que durou séculos e parecia – mesmo quando ruía – a materialização da excelência do género humano. Provavelmente vê-lo-iam  mais ou menos como nós vemos as sociedades em que hoje vivemos, quer habitemos em Lisboa, Atenas, Londres ou Nova Iorque. Como o vértice de uma evolução que parece não poder regredir e que, no entanto, todas as evidências demonstram estar em acelerada decadência. Precisamos de humildade para olharmos para nós próprios como apenas mais um punhado de seres humanos.

A coisa mais importante do mundo! Hoje! Agora!

Quanto tempo, meu Deus? Quanto tempo mais poderemos continuar a olhar para o lado? O que são as nossas pequenas tragédias ao pé disto?

Lembrei-me da fome em África quando vi a final do Peso Pesado, em que um concorrente ganha porque perde 10, 15, 20 por cento do seu peso. E continua GORDO!

O que é eu estou aqui a fazer? O que é que eu vim cá fazer?

Esta é a coisa mais importante do mundo. Hoje! Agora! Tudo o resto é muito pouco.

“The empathic civilization”, por Jeremy Rifkin

Ora aqui está um livro que me deixou muito surpreendido (foi uma compra por impulso…) e que vai certamente ficar na lista reduzida dos mais importantes que li nos últimos anos.

Hoje em dia há muita coisa a mudar muito rapidamente e este livro (não é pequeno, são 600 páginas) fornece explicações para quase tudo. Eu sempre gostei de explicações holistas (desde Hegel…) e não concebo a realidade explicada de outra forma que não seja em todas as suas interdependências.

Claro que, como em todas as explicações holistas, a “civilização empática” de Rifkin tende a ser apresentada como o estado final de evolução da espécie humana (o autor nunca o diz, mas “sente-se” em vários pontos do livro), esquecendo todas as “explicações” anteriores que cometeram o mesmo erro.

A tese fundamental de Jeremy Rifkin (elegantemente explicada neste video aqui em baixo) é que estamos no início de um novo estádio da civilização humana, a que ele chama “civilização empática” e que se caracteriza pela comunhão entre todos os seres humanos, o ambiente e a bioesfera em geral. Argumenta que isso se deve à conjugação de revoluções combinadas nos subsistemas de comunicação (a internet…) e de energia (o fim dos combustíveis fósseis). E que essas mudanças terão consequências a todos os níveis da nossa vida, da sociabilidade à psicologia, da organização política à organização económica, etc. E este é o ponto mais profícuo do livro. Porque o que se sente, ao ler este “The empathic civilization”, é que estamos apenas a começar a vislumbrar todas as formas pelas quais o nosso mundo está a mudar radicalmente. E que todas as coisas que nos deixam perplexos no mundo actual (da manifestação “à rasca” de dia 12 aos movimentos de libertação do Norte de África) já têm ser explicadas à luz de quadros de análise profundamente diferentes (em que o Estado-Nação, por exemplo, desempenha um papel fundamentalmente diferente, mas as estruturas de representação política estão fundamentalmente iguais).

Enfim, este é um livro muito “food for thought” que recomendo a quem se interessa por explicações do mundo que não deixam nada de fora.

Monarquia e República

Nos últimos anos temos assistido um pouco por toda a sociedade portuguesa ao renascimento do ideal monárquico, que culminou com várias manifestações a propósito do centenário da República e com a discussão latente sobre as vantagens e desvantagens da República e da Monarquia como formas de governo. O assunto, obviamente, é interessante, mas a respectiva discussão tem estado deslocada do essencial da questão e – creio – por detrás dela está mais uma forma de desresponsabilização colectiva.

A primeira grande crítica que se faz à República é que a sua instauração se fez de uma forma violenta e sanguinária. Esta crítica é fundamentalmente fútil, uma vez que é regra (e raras são as excepções) que as grandes mudanças sociais e políticas se façam precisamente de forma violenta e sanguinária. E a mudança de uma sociedade monárquica para uma sociedade republicana é uma das grandes mudanças sociais e políticas que atravessou todas as nações do ocidente, quase sempre com violência e sangue.

A outra grande crítica que se faz à nossa centenária República é o seu rotundo e evidente falhanço em corresponder aos anseios de desenvolvimento do povo português. Olhando para trás, encontramo-nos hoje numa situação colectiva assustadoramente parecida com aquela que se viveu na instável primeira República. Como se, 100 anos depois, tivéssemos dado uma volta de 360 graus para voltarmos ao ponto de partida. Isso em parte é verdade. Mas, tão ou mais assustadora que a análise da situação social e política actual por paralelo à de há um século atrás, é a releitura do diagnóstico do “ser português” que vários anos antes já tinha sido feita pela “Geração de 70”. O que essa releitura revela é um povo cujos traços de personalidade colectiva pouco mudaram em 100 anos. Os nossos defeitos colectivos são hoje os mesmos que eram há um século e são aqueles que permitiram que aceitássemos impavidamente que nos guiassem como um dócil rebanho na maior parte destes últimos 100 anos (durante toda a ditadura, obviamente, mas também no tempo da “Europa”, com raríssimas excepções na primeira república, no PREC e, talvez, nos anos de ouro cavaquistas).

O problema não está na República. Porque o que verdadeira e essencialmente distingue a República da Monarquia – e aqui chegamos ao centro do debate – é o “peso” que cada um dos regimes coloca sobre os ombros dos cidadãos. Numa Monarquia o poder emana de Deus e é atribuído divinamente a um cidadão. Por isso é que existe uma linha sucessória. Numa República, o poder emana do Povo e é atribuído aos seus representantes durante o período de tempo do mandato e segundo esse mandato. Por isso, numa Monarquia, os cidadãos são essencialmente irresponsáveis perante o caminho da sociedade (compete ao Rei decidir), enquanto que numa República os cidadãos são – todos – solidariamente responsáveis pelas escolhas feitas (se não o forem, a consequência lógica é a guerra civil ou a formação de partidos). A República é portanto – logicamente – um estágio evolutivo superior da organização colectiva da espécie humana. Regressar da República à Monarquia seria um retrocesso histórico contrário a toda a evolução recente das sociedades humanas.

Claro que – dirão os apoiantes da Monarquia – o que se pretende não é o regresso às formas tradicionais de Monarquia, mas sim a uma Monarquia constitucional, com partidos, eleições e representantes temporalmente mandatados. Uma Monarquia “moderna”. Esse é outro erro de perspectiva subjacente a este debate. Desde logo, porque uma “monarquia constitucional” já é em si mesma uma conjugação de termos difícil de conceber. De onde emana a legitimidade de poder nesse caso? Do “monarca” ou da “constituição”? “De ambos”, naturalmente, só é uma resposta aceitável, enquanto eles não forem contraditórios…

Depois, porque uma Monarquia em que todos os representantes executivos são eleitos excepto o Rei não é verdadeiramente uma Monarquia. É uma República com um cargo de chefe de Estado não electivo. O que significa que, na realidade, não existem verdadeiras monarquias no mundo ocidental. O que bate certo com a já referida evolução das sociedades humanas: não existem monarquias no mundo ocidental porque é uma fatalidade da evolução histórica que não existam monarquias no mundo ocidental. É tão simples quanto isso. E é por isso que a proposta de regresso à Monarquia é tão… irracional.

Aliás, se me é permitia a opinião (republicana), as monarquias que conhecemos no mundo ocidental (nomeadamente na Europa), fazem muito pouco jus à nobreza (a palavra adequa-se particularmente neste contexto) tradicional da Monarquia. Escândalos nas revistas do social, plebeus em matrimónios reais, divórcios… nada disto está à altura do legado histórico da Monarquia, o qual, até um republicano o admite, nos deu bastantes exemplos de grandeza. Aliás, é disso também que se faz a nossa história! Essas tristes figuras das monarquias europeias não são epifenómenos; são, precisamente, manifestações de como a instituição monárquica está desfasada do mundo moderno. Toleram-se porque na verdade pouco importam. Quem decide – tal como deve ser – são os cidadãos através dos seus representantes eleitos.

Os partidários da causa monárquica em Portugal podem dividir-se em dois grandes grupos. Um deles é o dos intelectuais que, à maneira de Vasco Pulido Valente, encontram no advogar da Monarquia uma forma de apresentarem ideias “originais”, diferentes das dos outros intelectuais. O outro é o dos cidadãos comuns que colocam uma bandeira azul e branca no carro ou mudam a sua imagem de perfil no Facebook em dia de centenário da República; esses fazem-no porque é chique, tem classe e a bandeira até é bonita. Mas isso não tem nada a ver com a Monarquia.

O problema é que uns e outros procuram externamente as respostas que deviam procurar dentro de si próprios, colectivamente falando. Não foi a República que nos colocou onde nós estamos. Fomos nós que nos colocámos lá e não há monarca que nos salve! Temos que ser nós próprios a fazê-lo. Dificilmente poderia fechar com uma afirmação mais republicana!

“Todos somos peões”

O presidente do ACP acha que os peões (que andam a 5 km/h e pesam 75 kg, em média) deviam ter mais cautela e não se deviam “atirar para as passadeiras” de qualquer maneira, pois correm o risco de serem “colhidos” (que expressão tão curiosa…) pelos automóveis (que andam a 45 km/h e pesam 1500 kg, em média).

Pois bem, eu tenho uma contra-proposta para o presidente do ACP: tornar a paragem nas passadeiras obrigatória para os automóveis, tal como ao sinal de stop. Afinal:

a) as passadeiras apenas existem em perímetro urbano e

b) nas passadeiras os peões têm prioridade sobre os automóveis segundo o Código da Estrada.

Que tal?

Só quem nunca assistiu a um atropelamento pode ignorar a desproporção de forças entre um peão e um automóvel e ter dúvidas sobre de que lado está o problema.