1. Porque é que a lei fala em 10 semanas e não em 12? Ou em 10? ou em 8 ou 16? Quando é que começa a vida? Do meu ponto de vista, há dois momentos decisivos: a concepção e o nascimento. Atribuir o começo da vida ao momento da concepção é estabelecê-lo demasiado cedo para que permita resolver o problema social. Fixá-lo no nascimento é demasiado tarde para que seja compatível com os valores éticos em que fundamentamos a nossa vida individual e colectiva. O “problema” é que a medicina permite-nos “ver” aquilo que está dentro da barriga. “Antes da medicina” (ou num mundo sem medicina, o exercício é igualmente irreal), a vida humana começava sem dúvida no momento do nascimento e tudo o que se passava antes disso era relativo à  saúde da mãe. Mas a evolução da ciência e da técnica (e portanto da medicina), “obrigou-nos” a criar novos padrões éticos. É por isso que a concepção é demasiado cedo e o nascimento é demasiado tarde e é daí­ que resulta esta discussão.

2. “Não matarás!” é talvez o mais importante valor ético do mundo ocidental. Mas não está generalizado em todo o mundo nem mesmo no ocidente (o Irão e os EUA, por exemplo, não o respeitam). O que prova que os valores éticos, embora devam “presidir” à sociedade, dependem da realidade social em que surgem e a que se dirigem. E portanto dependem também da evolução da ciência e da técnica.

3. O progresso da ciência e da técnica não é independente da forma de organização das sociedades humanas, mas é em boa parte autónomo em relação a ela. Ou seja, a investigação científica e técnica produz resultados que nem sempre correspondem exactamente àquilo que se desejava. De cada vez que se lança uma semente, nasce uma planta diferente. É verdade que num determinado momento e local históricos se investiga sobretudo aquilo que interessa à sociedade conhecer ou resolver. Mas a investigação científica e técnica produz mais resultados e mais inesperados do que os inicialmente pedidos. É a evolução da ciência e da técnica que nos permite hoje conhecer melhor o feto humano e estabelecer em relação a ele padrões éticos que não existiam no passado. Mas é também a evolução da ciência e da técnica que nos permite ser capazes de “determinar” a existência de vida, seja através de inseminação artificial, seja através de clonagem, seja através de suspensão criogénica, seja através da… interrupção voluntária da gravidez. De uma coisa não podemos ter dúvidas: a evolução da ciência e da técnica vai continuar a colocar-nos este tipo de problemas e vai-nos confrontar com questões bem mais complexas do que a do aborto. 

4 . Por isso, no debate do aborto (como em muitos outros debates), parece-me que de um lado estão  os progressistas e do outro estão os conservadores.  De um lado estão os que acreditam que é a evolução da ciência e da técnica (ou seja, do conhecimento tout court) que ilumina o caminho e não só nos coloca desafios como também nos dá respostas; do outro estão os que resistem e acham que o progresso da ciência e a técnica deve ser submetido à vontade colectiva e deve ser limitado pela nossa ética colectiva. Nesta equação – e portanto também na questão do aborto – os progressistas têm sempre razão. Quando não a têm hoje, tê-la-ão amanhã!

4 thoughts on “

  1. eu respeito o seu ponto de vista, mas aí tem uma questão crucial que é técnica: você é a favor da doação de órgãos dos mortos?

    cientificamente, a morte é o não funcionamento do sistema nervoso central. os cientistas não consideram vida humana aquela que não tem sistema nervoso central.

    por isso há aquela confusão de semanas: 10 é o começo da formação e 12 é o início do funcionamento. mas concordo que é uma discussão dura.

    mas para vocês acho que é bem mais tranqüila. no meu país, se for interrompida a gravidez de um feto sem cérebro, mulher e médico vão para a cadeia por 4 a 6 anos. tem exagero de todo lado…

  2. Não me repugna nada a doação de órgãos dos mortos se, tecnicamente, os médicos me disserem que isso serve um bem maior.

    Acredite que a discussão sobre o aborto em Portugal é muito menos tranquila do que possa imaginar… Aliás, é das menos tranquilas que por aqui temos.

  3. Mais um aspecto a ser considerado : as diversas vertentes cientificas e religiosas que tem, entre si, divergencias acerca do momento em que começa a vida humana.

  4. Pois. É por isso que a discussão é difícil: não há consenso, nem mesmo do ponto de vista científico. E muito menos do ponto de vista ético.

    Mas o facto de haver dúvidas e dievrgências não impede que se agrupem os argumentos em conservadores e progressistas, tal como procurei fazer. E aí, do meu ponto de vista, a posição é muito clara.

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